7.24.2006

Afirmações à sombra da videira

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Da espera

É preferível o cansaço e a dor da luta
ao cansaço e a dor da espera.






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Dos sofrimentos

Os sofrimentos mais inúteis
nascem da presunção de salvar o mundo.






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Da bondade

A bondade é incompatível com a vida.
Só apodrecendo posso ser bom.
Logo, sou podre.
E ao apodrecer passo da uva ao vinho.






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Do olhar ou do erotismo básico

Olhar é bom, mas nem tanto,
Melhor a vertigem.

Olhar é bom, mas nem tanto,
Melhor o amasso – ritual de carícias.

Olhar é bom, mas nem tanto,
Melhor degustar o corpo.

Olhar é bom, mas nem tanto,
Melhor língua na língua – verbo de ação.






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Da falta do afeto

Se não há afeto nada se sente, a vida é alívio.
Daí, não é a falta de afeto que mata, mas sua presença não afirmada.
É a sua não afirmação.
O afeto tem que ser afirmativo, expressar uma potência de vida.
Ele é experimentação e não objeto de interpretação ou de contemplação.
Se assim não for, aí sim, ele nos mata.






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Da impossibilidade

Não poder, é foda.
Não foder, é podre.
Não apodrecer, é fogo.
Não se afogar, é pena.
Não penar, é ilusão.
Não se iludir, é luta.
Não lutar, é luto.
Não jogar, é sina.
Não vibrar, é agrura.
Não pulsar, é vinagre.
Não vinagrar, é vinho.






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Como cacho

não sei
não sabes
no sabre dessa areia
somos veias
rumores
vezes mil ventos vagos
e mil dissabores
sabores uva, vinho, vinha, vem
vinharemos feito cálices
tocar-nos-emos feito taças
e nos calaremos depois
e nos colaremos depois
tal qual uvas verdes
ou copos depositados no chão
ou corpos suados na cama
ou dedos cruzados na mesa
ou meias trocadas ao sair






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O outro sou eu

eu não sou eu senão no outro, que não me ignora a si
que somos dois
que somos mais
se sou dois com o outro somos quatro
que somos tantos e tontos e destampos
e de quatro somos oito
e no coito, biscoitos para todos os azares
afoito pelos prazeres
dizeres que não me cabem
afagos que me completam ao desmembrar-nos
fazendo-nos nus de pele





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