1.26.2011

Deleuzianismo

O desejo não descansa
[não tira férias]

O desejo faz correr
[corre e corta]




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12.01.2008

Entendimento




E se não rasgo, o coração em pânico, o que nos enlaça, fios, fumaça,

o que zomba de sermos dois e age e ata, e se não me meto

para além do que fora, se persisto em deixar acontecer

(e não é por lassidão, por fraqueza, por negligência), se evito

tocar no assunto, e tomo outro gole e penso na fragilidade como uma flor ou tempo, na fortaleza dos oceanos e das estrelas

(essas coisas raras de todos e ninguém), e se resolvo

fechar os olhos e ouso imaginar, mas logo desisto, o fim de tudo,

e me revolvo e me abraço para não deixar fugir o que de ti

há em mim disperso, e se cuido e trato e passo ferro

para untar tecidos com fogo, veja bem,

se isso faço (e não rasgo), faço-o somente porque sei

o que entre nós nos liga e se esconde

(brinquedo de um vermelho diabo): o frágil toque

Caminho de rio




Este caminho




Felicidade

é o mundo morrendo doce

e eu salgado.




11.09.2008

As Mulheres de Italo

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I

Nala

Não se prenda a mim! Faça-te livre. – disse Nala.
Tu não me amas? - Perguntou ele.
Não, eu não te amo, apenas te respiro. - Respondeu ela.
Então já me basta. - Argumentou ele. - Se teu desejo é que eu parta para longe, por ti, irei.
Na verdade não é que quero que partas. Mas tu tens que partir. Não vês que contigo eu sofro? – Insistiu Nala.
Contudo disseste-me uma vez que sem mim não viverias. Fingias então? Interrogou ele pesadamente.
Não, não fingia. Apenas o calor de tua pele agora queima a minha, ficou quente demais. Não posso te possuir porque te destruo, não posso viver sem ti porque destruo a mim. Perdoa-me. - Com os olhos cheios continuou - Façamos o seguinte: finges que me abandonas, que não me queres por perto. Finges que vás embora e levas contigo o meu medo, este peso que me esmaga. Torna-te difícil. Não, mais que isto, torna-te impossível e eu te farei meu eterno amado (é que às vezes a promessa da chegada encanta mais que o próprio encontro). Desta forma então, fingindo que estou distante de ti, poderei te amar de novo e a minha pele terá novamente a temperatura adequada para que eu não mais me queime nem a ti.


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II

Gaiara

Gaiara levanta-se sempre na mesma hora. Come sempre as mesmas coisas no café da manhã. Pega sempre o mesmo caminho para o trabalho. Senta-se sempre na mesma cadeira. Conversa sempre com as mesmas pessoas. Lancha sempre a mesma coisa. Faz sempre o mesmo caminho de volta para casa. Almoça sempre no mesmo prato. Assiste sempre o mesmo programa de televisão, sentada no mesmo sofá. Dá uma volta no bairro sempre na mesma hora, gastando sempre o mesmo tempo. Canta sempre a mesma música quando está no banheiro. Janta sempre a mesma hora, comendo sempre a mesma comida. Vai dormir sempre do mesmo jeito, na hora de sempre.
Desde quando ela é assim ninguém sabe. Os que a conhecem já a conheceram assim. O que a levou ser assim ninguém sabe. Podem chamá-la de conservadora ou dizer que ela busca segurança, que é puro conformismo ou automatismo, que é mais fácil viver assim ou ainda que seja por pura convenção, não se sabe, ninguém sabe.
É isto, o que chama atenção na vida de Gaiara é a repetição. Nada muda na sua vida. Tanto faz se você a conheceu ontem, hoje ou amanhã, sempre a verá do mesmo jeito, sem novidades, nada de novo para dizer, com o cabelo penteado sempre para o mesmo lado, a mesma cor de batom. Se você conversar com ela ontem, hoje ou amanhã, ouvirá dela os mesmos assuntos, ela vai descrever sempre os mesmos lugares que conheceu, comentará sempre sobre os mesmos filmes que assistiu, recomendará sempre os mesmos livros, trará no coração sempre as mesmas mágoas ou as mesmas alegrias, as suas queixas são sempre as mesmas, assim como seus sonhos e esperanças que nunca se renovam.
Se você gravar um dialogo com Gaiara e depois de algum tempo voltar a gravar um outro dialogo com ela perceberá, ao ouvir as duas gravações, que cada palavra, cada frase, o tom a voz são idênticos. Gaiara é uma mulher que vive a repetir-se mecanicamente como uma gravação. É como as coisas de agora fossem para sempre.

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III

Auda

Auda tem filhos, bons filhos. Um marido que a ama, bom homem. A casa de Auda é boa de morar. Seu marido lhe dar dinheiro para gastar. Às vezes saem, vão a barzinhos, saem com os amigos, passeiam na praia com os filhos. Se alguém perguntar a Auda como é sua vida ela dirá que é uma vida perfeita.
Mas Auda, mesmo sorridente, mesmo fazendo algumas coisas que gosta, mesmo cuidando da casa, mesmo brincando com as crianças, mesmo com seu marido, que às vezes tem ciúmes, sente que algo falta. Faltam coisas que ela não revela a ninguém, mesmo se lá no fundo ela deseje que isso venha a público, que todos saibam, mas que ela prefere não revelar por medo.
Entretanto, basta um olhar mais atento para perceber que por trás do seu sorriso lateja uma série de desejos, vontades e sonhos que ela sufoca sem saber como, que moí e remoí em sua alma e intestinos.
Auda às vezes se pega pensando, se imagina transando a noite numa praia, em um carro, em uma estrada deserta, sonha pular de pára-quedas, andar de carro em alta velocidade em uma trilha mata adentro, dançar em boates quase nua e ser desejada, poder receber qualquer um a qualquer hora em sua casa... E mais.
Às vezes ela se sente burra. Procura sempre agir com bom senso, mas o mundo se encontra lá fora e todas as possibilidades de uma vida. Dentro dela habita uma Auda aventureira que ninguém conhece, nem marido nem filhos, que deseja fugir e experimentar a vida.

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IV

Calana

O tesouro mais precioso de Calana é um jarro no qual ela guarda outros tesouros – uma foto de um antigo namorado, uma pequena esmeralda, um postal que uma velha amiga lhe enviou, um lenço amarelado pelo tempo dado por seu falecido pai e uma porção de coisinhas miúdas que ela foi juntando com o tempo. Assim, quem quiser saber quem é Calana, basta olhar o que ela guardou em seu jarro.
Ela dá a vida por aquele jarro, o trata quase como um deus. Não existe em sua vida espaço para mais nada. Vive os dias a contemplá-lo. Não fala de outra coisa, não pensa em outra coisa. Até que é compreensivo seu apego, quem já não se apegou a algum jarro na vida?
Mas aconteceu que certo dia, ninguém sabe como e quem sabe não diz, o jarro quebrou-se em mil pedaços. Calana chorou. Tentou juntar todos os pedaços. Tentou colar todos os pedaços...
Alguém lhe trouxe um novo no qual poderia guardar não só os antigos tesouros de sua vida como os novos, acrescentando coisas novas em sua vida. Ela recusou. E quem quer que deseje oferecer um jarro novo ela amaldiçoa, expulsa.
Hoje ela vive como se um milagre fosse acontecer e o jarro voltasse a ser como antes ou até mais bonito. Não querendo perceber que o jarro nunca mais será o mesmo, mesmo se colado, o colado já não tem o mesmo brilho.

8.17.2006

Vinho Tinto

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Guarnição para dias de canção e morte

Para começar,
Dispa-se de seus mais valiosos sonhos.
A estrada é longa para tanta bagagem.
Do que lhe pesa, não se resguarde,
esqueça.
Ainda há muitos personagens no meio do caminho.
Rasgue todas as vestes, fique nu.
(Não há como alcançar o céu
sem pisar no inferno.)







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8.06.2006

Vinho quente em noite fria

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Lição de vinicultura

As salas de aulas não são boas para aulas.
Elas são boas para muitas coisas, mas não para aulas.
Só os bêbados sabem usar bem as salas de aulas -
Falo dos bêbados de vinho,

........................... de excitação,
........................... de tesão,
........................... de alegrias.
Se um dia desejar saber

qual o melhor uso que se pode dar a uma sala de aula,
não perguntem aos professores,

esses dão às salas de aulas seu pior uso.
Pergunte aos bêbados de vinho,

...................................de excitação,
...................................de tesão,
...................................de alegrias.
Pergunte aos amantes,
................aos bobos,
................aos que não tem nada a perder
................aos que vivem a leveza da vida.

As melhores coisas para se aprender numa sala de aula

são as lições do vinho.
Aquelas lições que os bêbados aprenderam muito bem.
As melhores aulas são aquelas na quais os amantes se experimentam.
Nas quais os bobos brincam.






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Prefiro Dormir

Às vezes nos encontramos como
Uma só folhinha para dois olhinhos caindo de sono:
Achamos o repouso e a segurança na confortável ilusão
De ser uma essência acabada.
Enquanto de fato somos um ferimento mudo.

É.
Permanecer na mesmice é mais prático.
É.
O novo dá trabalho.
É.
O arriscar-se apavora!
“Está ruim, mas está bom!”

Credo!
Não quero jamais temer o novo,
Embora não deva jamais perder a trilha,
Entorpecer meus sentidos a ponto de não sentir o novo, de não vibrar –
perder o tato.

Se perceber que eu perdi meu sentido, acorde-me!
(a não ser que meu sono seja ao seu lado, se assim for, deixe-me dormindo).






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Toma-te

Já comi meu tomate fresquinho!

Sim, comi.
Sabe quando morde em cima e faz um buraquinho,
Coloca-se um pouco de sal, daí chupa as sementinhas?
É tão bom!

Louvado seja o tomate e suas sementinhas!






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7.26.2006

O amor é uma uva roxa

Quinta Conversa


Vida: Qual a pior coisa que pode acontecer com alguém?
Gafanhoto: Viver.
Vida: Por que viver é a pior coisa?
Gafanhoto: Ter que carregar o peso da existência.
Vida: Explica.
Gafanhoto: Porque a morte é o nada e o nada é incolor, indolor, inodoro. Mas, viver é não ter vergonha de ser feliz. É cantar e cantar e cantar a beleza de ser um eterno aprendiz...
Vida: Na medida em que aprendo, significa que posso tornar a vida melhor?
Gafanhoto: Quanto mais se aprende mais se tem acesso ao imponderável e ao peso do mundo. Quanto mais se sabe, mais puto com a humanidade o cara fica.
Vida: Seria o pesa das descobertas?
Gafanhoto: O peso da procura dói muito mais. O cara que procura, acha e achando está comprando briga. Mas tudo isso pode ser ultrapassado. Por isso foi criado o vinho e as canjiquinhas.
Vida: Mas será que tudo passa?
Gafanhoto: Dizem. Mas eu não disse que passa, falei em ultrapassar, são coisas diferentes.
Vida: Tudo bem. Mas não dizem também que sempre fica alguma coisa? Se fica alguma coisa, então, nem tudo passa? E aí?
Gafanhoto: Se a dor for grande você esquece estas filosofias. Fica a dor, mas você a pode ultrapassar, mas não há como não passar por ela.
Vida: O que fazer?
Gafanhoto: Reverter o que de ruim ficou em aprendizado.
Vida: Mas a dor não diz tudo, diz?
Gafanhoto: Não, porque ela gagueja e não ouve muito bem.
Vida: E agora, o que fazer?
Gafanhoto: Viver. Representar um personagem no grande teatro uma única vez, sem aplausos.
Vida: Vamos devagar, vê se entendi direito, quando estou com dor não escuto, não falo e não penso direito. É isso?
Gafanhoto: É, a dor entorpece os sentidos.
Vida: E como sair dessa?
Gafanhoto: Pedindo ajuda. O maior erro é querer conduzir o processo com as próprias mãos e sozinho, ninguém dá conta disto sozinho. Precisamos assumir este fato. Quando nos pomos a caminhar sozinhos, o sofrimento, a dor só faz aumentar. Claro que chega um momento em que ela pára, mas aí já estamos derrotados.

O amor é uma uva roxa

Quarta Conversa


Vida: Tem um tempo?
Jornalista: Uns 5 min.
Vida: Então responde uma pergunta.
Jornalista: Fala.
Vida: Qual a pior coisa que pode acontecer com alguém?
Jornalista: Essa pergunta é difícil. Vai do que cada um considera importante, eu acho. Há coisas que acredito que quando perdemos nos abala muito. Posso citar, por exemplo, a perda da vontade de viver, a perda da fé, a perda da saúde, a perda de alguém. As perdas, o difícil está geralmente ligado às perdas.
Vida: É sempre difícil perder algo. Mas o que é viver?
Jornalista: É perder, ganhar, conquistar, sei lá.
Vida: Como se perde a fé?
Jornalista: Bem... se alguém acredita em Deus e deposita todas as expectativas Nele e de repente, perde um filho, por exemplo, a fé, se não for muito forte, pode ser abalada
Vida: A saúde é tudo?
Jornalista: Vai do ponto de vista de cada um, pra mim é muita coisa.
Vida: Quando falamos de pessoas, qual a pior das perdas?
Jornalista: Também vai de cada um, pra mim, qualquer pessoa da minha família. Pra outro pode ser um filho, um marido, um amigo. Depende muito de quem está perto ou de quem está longe. Esse lance de distância deixa os laços meio diferentes.
Vida: Você acha que a distância muda a relação?
Jornalista: Sim. E acontece algo incrível, as vezes ficamos mais próximos.
Vida: Explica um pouco essa relação com a distância, o quanto a distância pode aproximar.
Jornalista: Hum.... Acho que, talvez, o que era expresso com a presença física tenha dado lugar às palavras e talvez as palavras sejam mais diretas e indicam o que a pessoa realmente quis dizer. Sei lá, é algo estranho, tenho pessoas queridas que se encontram distantes e hoje converso mais com elas e sobre coisas que não conversávamos quando estávamos morando na mesma casa. Preocupamos-nos mais em saber como a outra pessoa estar.
Vida: Deixa ver se entendi direito: com a presença física nós deixamos de lado algumas coisas por acha que só a presença já é suficiente.
Jornalista: É isso, eu acho.
Vida: Isto é muito louco, não? Na falta do corpo do outro, tentamos substituí-lo com palavras.
Jornalista: A gente vive neste mundo louco mesmo, também acho esquisito.

O amor é uma uva roxa

Terceira Conversa

Vida: Qual a pior coisa que pode acontecer com alguém?
Observador: Viver sem amor a vida toda e o resto da vida.
Vida: E como posso definir ou experimentar o amor?
Observador: O amor é como uma uva roxa. O amor é a experiência da aceitação mútua entre duas pessoas, com o projeto de assim permanecer. Aceitar alguém é querê-lo como ele é. Para saber como alguém é, é preciso conhecê-lo. O amor, portanto, é a experiência do mútuo conhecimento. Não conhecer completamente é um convite para mais explorações.
Vida: Há limites para isso?
Observador: Sim, porque todo excesso é perigoso.
Vida: Há amor sem luta?
Observador: Não, nem com violência.
Vida: Toda luta tem que ser violenta?
Observador: De jeito nenhum, julgo, não sei ao certo.
Vida: É possível viver o amor como uma forma de arte?
Observador: Dizem, mas o que seria arte? Porque não viver o amor como uma forma de amor?
Vida: Amor pelo amor? É possível? Não existe em nós o desejo de determinar o outro?
Observador: Todos queremos dominar um ao outro, logo, o amor, que é certo desejo de dominação, pois que é uma forma de conhecimento, que é uma forma de dominar, requer um trato, um acordo subliminar, o de que cada um procurará dominar o menos que puder.
Vida: Existe um jogo de interesse atrelado, eu perco aqui para ganhar ali?
Observador: Isso.
Vida: Amo mais quanto mais o outro se submete?
Observador: Não, amo mais quanto mais o outro não se deixa submeter, porque assim aumento minhas investidas. O amor é o que fica, o que sobra, o resto entre o desejo de dominar e a resistência alheia em ser dominada.
Vida: Vejamos um exemplo: quando perco um amor o que dói não é exatamente a falta daquilo que se dominava?
Observador: Não, o que dói é a falta da relação?
Vida: Falta da relação ou da relação de dominação?
Observador: Acho que isso depende de quem responde essa questão
Qual o melhor: Qual o melhor, dominar ou ser dominado?
Observador: Depende de cada um. Para mim, é dominar, mas sempre na possibilidade de que o outro resista com doçura.
Vida: E o que dói mais numa relação?
Observador: É o próprio relar. Toda relação é uma forma ralação.
Vida: O que é inútil numa relação?
Observador: Inútil é esperar que o outro adivinhe seus pensamentos.
Vida: O pensamento não comunica.
Observador: Pois é.
Vida: Isso dói.

Observador:...

O amor é uma uva roxa

Segunda Conversa


Vida: Qual a pior coisa que pode acontecer a alguém?
Estranho: Ser impossibilitado.
Vida: Ser impossibilitado de agir conforme suas próprias determinações?
Estranho: Ser impossibilitado. Ponto. O resto são detalhes.
Vida: Entendo.
Estranho: Cada impossibilidade representa uma restrição naquilo que nos torna humano: o homem é humano na medida em que pode expressar-se enquanto tal.
Vida: A pior coisa, então, não série ele descobrir que não é aquilo que pensa que é?
Estranho: Não, de jeito nenhum, essa talvez seja a melhor coisa.

O amor é uma uva roxa

Primeira Conversa


Vida: Qual a pior coisa que pode acontecer a alguém?
Princesa: Deixar de ser ele mesmo.
Vida: Explique mais.
Princesa: Deixar de ser o que se é, perder ou camuflar sua individualidade, suas vontades, seus desejos, sei lá, deixar de ser ele mesmo.
Vida: Não é isso que acontece muito nas relações dos sujeitos?
Princesa: É, mas sempre existe um jogo de interesse atrelado, eu perco aqui para ganhar ali, mas se acontecer uma anulação total essa pessoa não pode estar bem nessa relação, até concordo com o "ceder" como uma questão de conviver bem, no entanto, se perder por completo, não.
Vida: Há amor sem luta?
Princesa: Essa é difícil. Acho que não.
Vida: Explica
Princesa: Fala de amor no geral ou entre homem e mulher.
Vida: Agora me pegou. Vamos para o básico. Fiquemos com homem e mulher.
Princesa: O que é o básico?
Vida: A relação a dois, para não ir muito longe.
Princesa: Não, pois não é uma mágica, é algo que tem que ser construído, logo implica em luta, em "sofrimento", coisas do tipo.
Vida: Não existe em nós o desejo de determinar o outro?
Princesa: Sim. Só que no "jogo" temos que "saber jogar" e acho que esse é exatamente o ponto, são muitos sentidos envolvidos e esses fazem com que cheguemos a esse estado.
Vida: Alguém me falou que o amor é a experiência da aceitação mútua entre duas pessoas, com o projeto de assim permanecer, concorda?
Princesa: Permanecer enquanto durar e para que isso aconteça requer um exercício de ambos.
Vida: E como posso definir ou experimentar o amor?
Princesa: Poxa, essa é fogo. É uma coisa que não tem resposta concreta, pelo menos para mim, pelo menos até este momento.
Vida: O amor não seria certo desejo de dominação?
Princesa: Pode ser. Quando alguém perde o amor de outro podemos observar isto. Muitos quando perdem um amor choram por aquilo que deixaram de dominar. Quando se perde um "amor" o que fica é essa falta de algo que se dominava.
Vida: Amo mais quanto mais o outro se submete?
Princesa: Nem sempre. Existem situações que sim, mas nem sempre é assim.

7.24.2006

Afirmações à sombra da videira

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Da espera

É preferível o cansaço e a dor da luta
ao cansaço e a dor da espera.






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Dos sofrimentos

Os sofrimentos mais inúteis
nascem da presunção de salvar o mundo.






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Da bondade

A bondade é incompatível com a vida.
Só apodrecendo posso ser bom.
Logo, sou podre.
E ao apodrecer passo da uva ao vinho.






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Do olhar ou do erotismo básico

Olhar é bom, mas nem tanto,
Melhor a vertigem.

Olhar é bom, mas nem tanto,
Melhor o amasso – ritual de carícias.

Olhar é bom, mas nem tanto,
Melhor degustar o corpo.

Olhar é bom, mas nem tanto,
Melhor língua na língua – verbo de ação.






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Da falta do afeto

Se não há afeto nada se sente, a vida é alívio.
Daí, não é a falta de afeto que mata, mas sua presença não afirmada.
É a sua não afirmação.
O afeto tem que ser afirmativo, expressar uma potência de vida.
Ele é experimentação e não objeto de interpretação ou de contemplação.
Se assim não for, aí sim, ele nos mata.






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Da impossibilidade

Não poder, é foda.
Não foder, é podre.
Não apodrecer, é fogo.
Não se afogar, é pena.
Não penar, é ilusão.
Não se iludir, é luta.
Não lutar, é luto.
Não jogar, é sina.
Não vibrar, é agrura.
Não pulsar, é vinagre.
Não vinagrar, é vinho.






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Como cacho

não sei
não sabes
no sabre dessa areia
somos veias
rumores
vezes mil ventos vagos
e mil dissabores
sabores uva, vinho, vinha, vem
vinharemos feito cálices
tocar-nos-emos feito taças
e nos calaremos depois
e nos colaremos depois
tal qual uvas verdes
ou copos depositados no chão
ou corpos suados na cama
ou dedos cruzados na mesa
ou meias trocadas ao sair






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O outro sou eu

eu não sou eu senão no outro, que não me ignora a si
que somos dois
que somos mais
se sou dois com o outro somos quatro
que somos tantos e tontos e destampos
e de quatro somos oito
e no coito, biscoitos para todos os azares
afoito pelos prazeres
dizeres que não me cabem
afagos que me completam ao desmembrar-nos
fazendo-nos nus de pele





7.23.2006

Como duas uvas verdes

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Uvas verde(s)

Os gestos verde(s) dos olhos
Cerram o dialogo.
O azinhavre da distância ruge.






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Afeto feito de barro

O meu afeto é feito de barro. E cozido.
Se não for feito de barro
o meu afeto,
se não for assim,
não é nada, de nada serve.
Deverá ser feito de barro
o meu afeto.

Afeto
não têm vida própria,
serve apenas.É escada, tijolo, panela, muro, estatua.
Afeto, eu tenho que tocá-lo para que exista.
Eu não o sinto apenas na alma, sinto-o também na pele.
Se não sentir a minha pele suja de barro
a vida não executou,
o afeto não aconteceu.






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A Lembrança

Ter a pele marcada
Enquanto pele tiver
Balança desequilibrada
Que pesa o que nunca é






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A Dor

Relógio cego apertando nós.
--Por favor, acendam rápido as luzes,
Quero ver o tempo passar!





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A Saudade

Fogo brando amolece o aço
Vai de ponta a ponta entre os abismos
Construindo pontes de ponta cabeça
E num abraço vai embora

7.21.2006

Bagaço de uvas

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Refém

Um gesto maldito
No valor de certos prazeres
Um segredo que pode te curar
--A tua causa é perdida, não mais existe resgate.






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Caos

Os passos não conseguem ver as pedras.






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Constatação

Os dias me alimentam
É tempo
de derramar pela boca, não sei,
talvez as fibras feitas de manhãs.
É, é tarde.
Já é tarde.
Percebo bem, é o inferno.






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Determinação

O tempo é pouco
Felicidade com “ph” não existe
--Talvez se eu soltasse um sorriso este pássaro voasse
Mas sorrir com “z” ou sorrir com “s”?
Por fim, só me resta enfiar o dedo na tomada.
Tomar um “xoque” com “x” e que este raio me parta ao meio.






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Conquistas e conseqüências

Nos meus desvios de fé comecei a ser punhal enquanto a lama me engolia, várias vezes me pus de pé no quintal, esse oratório desajeitado de conforto que fiz apenas por capricho.

Tudo que foi troféu, hoje me engasga a garganta.

Já fui setenta, hoje sou borrão.

Do sangue que derramei já não me resta mais nada.

Nas varias vezes que morri apenas por capricho, descobri que não adianta guarda na memória a planta da casa, o mapa do tesouro, a bússola do tempo, que ninguém pode está em dois lugares ao mesmo tempo,que ninguém pode vencer o tempo, que ninguém pode construir a maquina do tempo (o cientista louco foi internado no sanatório), que ninguém pode fugir de ser múmia, de ter múmias dentro de si - só que eu não vou desenterrar as minhas, que os arqueólogos desenterrem as suas, as minhas, que fiquem lá, eternizadas embaixo da terra que sou).

É, eu aprendi, e é assim, de vez enquanto nosso álbum de fotografias encontra-se cheio de fotos inúteis e vemos no céu estrelas que não fotografamos.

Hoje eu não espero ver roseiras na minha janela, nunca plantei roseiras. Nem espero que nenhuma porta mágica abra-se na minha frente. Todo dia eu tenho que limpar a jaula do leão, eu tenho que acender a luz para trocar de roupa, nem fico inventando muros com vidros para deixar de viver. E grito para que me escutem: nenhuma utilidade tem em cuspir no chão dizendo que assim serei feliz, que o amor que dediquei, a gratidão que tive, a fidelidade, a lealdade, foram as provas de minha dignidade para com os outros, enquanto em outros momentos serviram apenas como justificativa para as minhas próprias decepções, a minha própria fraqueza. Grito mais: que hoje sou contra aqueles que dizem que tudo tem seu preço, já que muitas coisas faço sem que tenham valor algum.






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A espera

...as mesmas coisas que nunca são feitas...





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A Ironia

O requentado já não tem o mesmo gosto.





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Existencialismo

Falta-me o alívio
De um dia sem quereres.
Tua cor em mim navalha.






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Efêmero

Num céu de pavor escarlate
Desnuda pomba mergulha
Sonhos nas pedras






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The end

Deixar as soluções
entre paredes de madeira
perder o espírito.

7.18.2006

Suco azedo

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Fogo-fátuo

Um pão cego em mergulho
Numa travessa de vinho.
Teu nadar me empresta a fome.






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Conselho criado-mudo

Nas gavetas
Buscar o equilíbrio nas roupas não põe sereno

Nas estantes
O sereno, para ser sereno de uma sala
Num contexto de símbolos virtuais, é ferimento mudo
A realidade é virtual nas bocas fazendo modelos

Nas camas
É vendível a vontade dos homens
E consumível a psicologia do equilíbrio
O absurdo não se vende em fábricas de equilíbrio






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Sobre a graça

O laço na praça medida
O resto de ponto em cego olhar
As feridas que mudam as nossas verdades






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Pássaro de pedra não voa

Procurar penas para asas
Juntar pedras para montanhas

Se pedra,

ficar
Se asa,

quebrar os limites dos signos externos do desprezo

E como colecionador de trapos
Senta juntando pedras para as asas






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O Colecionador

O pássaro na gaiola. Mas a gaiola não é o pássaro.
O tolo cuida da gaiola, e o pássaro passa fome.

As penas ele junta como se pudesse recolher a liberdade fingida,
mas preso permanentemente no presente, rumina os dedos na memória.
E o pássaro,
com um cantar demente desata seu coração de inverno
confirmando que tudo aquilo era loucura.






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Dialogo da infrutificação

(nas feridas reinam os vermes, por quem lutas?)
(a mediocridade fede nas bocas das pessoas cheirosas)






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O espírito do tempo

existem muitas coisas que é preciso não saber mais







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O valor das coisas

Ela foi contra aqueles que diziam que tudo tem seu preço
Pois descobriu que muitas coisas fez sem que tivessem valor algum.

7.15.2006

O Vinho e a Sede

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Perto

De ti o que em mim
muda abotoando as
sementes do bem viver
é esse desfazer-me sopro
para poder entrar em tua
garganta dizendo segredo

De ti o que em mim
muda escalando o céu
removendo pedras
vibrando folguedos de
esperança é o devir perto




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Vontade

os músculos explodindo sombra em mim teu corpo chama a mão tateia a inexprimível sensação de espaço em ti para onde for tu me navegas os músculos explodindo sombra em mim teu corpo chama a mão tateia a inexprimível sensação de espaço em ti para onde for tu me navegas





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Altriz

é saboroso hospedar-me nas lembranças do teu gosto
ou nas labaredas de tua substância: minha nutrição





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Milagre

Nos desvios do tempo
o céu guarda súbitos caprichos.
Milagre em mim: tu-eu me existe.





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Grito/nome

Durante o tempo de silêncio eu me guardei
Guiei meus versos para flancos indistintos
Hoje que o devir me guarda
O silêncio se fez festa
A vida se fez sereno vivendo puro grito
E assim de um grito/nome meu corpo alma espaço se transfigura
E em extrema paz onipotente
És minha linda que nos altares da face do momento
Tua ternura branca e leve veste fogo para regar-me a vida





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Por graça tua sou maior que o mar

O mar salgadamente chora e lamenta

se movimenta como quem perdeu

o maior dos tesouros

arrasta seus cabelos algas pela areia

como quem se curva implorando a

volta do bem amado

a noite, enfeita o céu com estrelas

como quem oferece pedras

preciosas

pobre mar tão grande, imperioso

sente-se infinitamente pequeno

sua cabeça de espumas se afoga

entre as pedras

e em dilúvio suicida-se diariamente

sabendo pois que tu és minha

para graça minha, não és sereia

ele, o mar, nas águas sem te ter,

não é ninguém.





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E

o instante mais precioso

o meu tesouro

recanto macio, fina areia

onde, longe de qualquer deserto

me sinto teu bem

abraço bem amasso

a noite, enfeita o meu céu, és minha

colisão

como quem oferece pedras

preciosas

dá-me teus beijos

eco incontido de furor

crescido

de mulher pele espumas

cujo nome em mim é lei: lascividade

e

sabendo pois que tu és minha

para graça minha, tenho...





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Cantiga flor na flor

Tua pele em lava em mim
- na dança
Nós, lâminas cortantes,
- marfins
É fogo que queima a carne
Cheiro diluído no ar
- incenso
Inflamando tato, paladar, olfato
- incêndio
Minha boca a te beber os seios
e a degustar o leite
- sentido
Gestos teus, harmoniosa dança
E na perigosa harmonia dessa dança
Cada um de nós
se lança
No infinito abismo flor da flor do outro





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Cantiga para os teus beijos

Gosto dos beijos,
são beijos arquigostosos.
Não são beijos que eu possa encontrar
em qualquer uma a qualquer hora.
São beijos de mar,
que transforma o eu areia.
São beijos de chuva,
inundando o eu lavoura.
Quando estou em perigo eles me salvam.
São beijos super-héroi,
Que me tiram do abismo.
Gosto deles,
Beijos passarinho,
me fazem voar livre,
em nuvens beijomacias.
Quando estou cabisbaixo,
são beijos de ponte,
ajudam-me a ultrapassar meus limites,
dando-me coragem para pedir mais beijos